sexta-feira, 9 de setembro de 2011

AO REMINHO PELA BORDA D'ÁGUA, 69

Antero do Quintal*

António Cagica Rapaz

A língua portuguesa é um mar profundo onde por vezes naufragamos quando nos aventuramos insuficientemente apetrechados, mas é também um mar rico, com marés cheias de termos e expressões curiosas, interessantes, por vezes carregados de ambiguidade e duplos sentidos que nos atiram de gargalhete para a praia da malandrice e do trocadilho.

Costumo ler com muito agrado os escritos esclarecedores do Dr. Manuel Nabais no Jornal de Sesimbra e aplaudo a feliz iniciativa que tomou em tão boa hora.

A sua recente evocação da figura de Antero de Quental nasceu da observação de uma incorrecção detectada no nome do poeta, mais concretamente na partícula de erradamente substituída por do.

A abordagem que faz é correcta e teve o condão de me segredar meia dúzia de ideias irreverentes que de vez em quando me atravessam um espírito por norma cândido, ingénuo e inocente…

Ora (aqui começa a viagem atrevida) a mim não me choca que o poeta açoreano se chame Antero do Quental. Vou mesmo mais longe, ele deveria chamar-se Antero do Quintal. Primeiro porque na nossa terra já houve um Antero da horta, da horta da Aninhas (ali ao pé da Marconi). Era o Antero da Aninhas, bem o conheci.

Depois, é mais apropriado para um poeta ser Quintal e não Quental. E quem tal negar é porque não sabe rimar. Quintal evoca natureza, árvores de fruto, beleza de hortaliça, capoeiras, passarinhos a cantar, aquela lengalenga bucólica do costume. Por isso cada vez mais me convenço de que Quintal é bem mais adequado. Portanto, desculpe lá Dr. Nabais, o engano não está na partícula mas no apelido. Está certo do mas não é Quental e sim Quintal, Antero do Quintal.

Posto isto (que me parece lógico e perfeitamente demonstrado) restam-me dúvidas e ainda esta noite dei comigo a pensar com os meus botões de punho”António, deixa os poetas em paz, assim NABAIS longe”. Mas agora já está, os dados estão lançados, prossigamos no raciocínio delirante mas não tremente.

Por esta ordem de ideias, o Antero do Pão acaso seria Antero de Pão? E já agora, ambiguidade por ambiguidade, não seria Antero do Pau como o pirata da perna de dito?

E a localidade será Cruz de ou do Pau?

A partícula de confere sentido mais lato e mais lata preciso eu de ter para vos dizer que Joaquim do Moinho é só daquele, não é de todos os moinhos. Antero do Quintal é só de um enquanto Zé das Abóboras é de todas, sem excepção. Mais rigoroso e exacto era o “Quilo e meio de papas”, nem mais um grama (e não uma grama como vulgar e erradamente por aí se ouve).

Esta polémica é antiga e atravessou fronteiras. Inspirou até uma canção, nos anos cinquenta, a um cantor sul-americano, não sei se o Lucho Gatica se o António Machin. Na sua versão original intitulava-se “Olá Quintal”, mas desvirtuou-se e acabou em “Olá que tal”, como te vás, etc. e tal, olá que tal”.

Estamos perante uma questão de grande subtileza, pois dizer o Zé do Central” não é o mesmo que referir “o Zé de Central”. Neste último caso pode maldosamente pensar-se em prisão central ou banalmente em bancada central, se o peão estiver esgotado.

Dizem as más línguas que esta confusão entre do e de teve a sua origem num conhecido defeito de pronúncia de um antigo (que deseja ser futuro) chefe de Estado o qual, ao ler o nome do poeta, disse “Antero de Quental”onde estava “Antero do Quental”.

Enfim, é informação que dou um tanto à socapa, sob sérias reservas, visada pela comissão de censura e a bem da Nação. Sim, porque é complicado. Se não, reparem: António do Olho (Qual?) não é o mesmo que António de Olho (à Belenenses? à Benfica?).

Isto tem que se lhe diga, para falar de de e do é preciso dedo, não é coisa fácil.

Por exemplo, há muitas caras de bacalhau, mas só uma é cara do Bacalhau, aquele calmeirão da praça do peixe que aliás deveria ser de peixe pois não é só um mas todos ou quase. Mas quem vê caras não vê corações e até o Ricardo era Coração de Leão e não do Leão porque esse assa frangos saborosos ao pé do Canino. E por aí fora se poderia ir na busca incessante de trocadilhos mais ou menos conseguidos. Mas haja mesura e fiquemos por aqui, não sem antes pedir desculpa ao Dr. Nabais pela brejeirice com que entrei no seu quintal linguístico tão bem cultivado.

E já agora uma última laracha que me surge a propósito dos jogos de palavras e dos jogos de futebol. O treinador do Sporting afinal não sai do Clube. Pelo menos os adeptos leoninos, cansados de tanta contrariedade, não esperam mais essa de Queirós…


*Publicado originalmente em O Sesimbrense.

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