quarta-feira, 21 de setembro de 2011

LÍBERO E DIRECTO, 20

Distâncias

António Cagica Rapaz

Um dos temas que maior curiosidade desperta no público é o das relações entre treinador e jogadores. Para uns, o modelo deve ser um Yustrich autoritário, para outros um Cândido de Oliveira professoral ou, ainda, um fantasista tipo Helénio Herrera. São todos eles figuras do passado, mas a bola continua a ser redonda. Os jogadores têm agora mais bigodes do que antes, mas ainda não usam calça comprida, antes persistem em jogar de calção, símbolo da brincadeira que, basicamente, o futebol deve constituir, diversão saudável, encontro e festa, desporto sempre, apenas um jogo.

O terceiro homem (além do treinador e do jogador) é o dirigente, responsável pela contratação dos outros dois. E por ele nos chega, ano após ano, a aberração do despedimento do treinador que, sendo o mesmo homem, o mesmo profissional, deixa de ser considerado competente, às vezes, ao fim de poucos meses.

Por isto ou por aquilo, é sempre o treinador a vítima, como se os jogadores fossem perfeitos e impolutos. Assim, já saíram de Belém o belga Henri Dupireux e três brasileiros, Cláudio Garcia, Paulo Roberto e René Simões.

Como dizia Eça, é uma bengalada higiénica, tão cheio está o futebol português de técnicos e jogadores brasileiros. Nomes como os de Otto Glória, Zézé Moreira ou Flávio Costa merecem respeito, mas hoje a quantidade abafa a qualidade e compra-se gato por lebre.

No Paris Saint-Germain, aconteceu uma coisa curiosa, com uma despromoção para cima. Devido aos maus resultados, o técnico Gerard Houiller (antigo professor de inglês) foi afastado do comando da equipa, mas promovido a manager, passando a supervisar toda a organização do futebol. Há dois anos foi campeão de França e elogiado não só pelo título mas igualmente pela forma como conduziu a equipa, com espírito de união e conquista, solidariedade e ambição. Porém, os resultados não perdoam e o mesmo homem, com os mesmos métodos, é agora afastado…

A propósito deste tema, recordei-me de duas notícias que li há pouco tempo. Em Paris comentava-se abundantemente a atitude de Artur Jorge, frio e distante para com os seus jogadores, após a derrota em Cannes.

Ao mesmo tempo, um jornal português informava que, no início desta época, o treinador desejado pelos jogadores do Benfica era Quinito.

Achei curioso este paralelo e, porque o tema é interessante, aqui deixo o meu ponto de vista, tanto mais que conheço bem os dois treinadores em questão.

No relacionamento com os jogadores não há receita única. O treinador é um homem, um indivíduo, com o seu temperamento, o seu carácter, as suas convicções, os seus princípios, os seus valores. E cabe-lhe dirigir vinte ou trinta homens que são outros tantos indivíduos com as suas particularidades. Daí, a evidente dificuldade da função de treinador.

Saía eu de Coimbra, em Junho de 1965, quando o Artur Jorge chegou. Não chegámos a ser companheiros de equipa, fomos apenas adversários. Quanto ao Quinito, foi meu companheiro no Belenenses, em 1971.
Já nesse tempo, Quinito era um hedonista, dentro e fora do futebol que encarava como uma actividade eminentemente lúdica, na sua acepção pura de jogo, brincadeira, representação, pantomina, fonte de prazer. Evidenciava uma alegria permanente e contagiante que não o impedia de ser um belíssimo jogador e um bom colega. Como treinador, não perdeu a fantasia nem o sorriso. Acrescenta-lhe alguma poesia, um grãozinho de loucura calculada, e aí temos o belo Quinito que consegue criar um clima agradável, com a adesão e a cumplicidade dos jogadores que lhe são dedicados, um bocado no estilo Robin dos Bosques e companhia.
Artur Jorge é diferente, tem o perfil ideal para treinador, formado em boa escola, e assenta os seus conhecimentos técnicos num passado de futebolista de eleição.

Nas relações com os jogadores, Artur Jorge passa por ser distante, pouco dado a intimidades. Neste cotejo benigno, há quem veja na toada familiar, no tom coloquial de Quinito um estilo de outro tempo em que o futebol era uma romaria dominical, quando os jogadores eram modestamente pagos e se vivia do amor à camisola, do bairrismo, da carolice, do espírito de sacrifício. Era o tempo da palmadinha nas costas, da vibração intensa, do ideal poético, era a Académica da laranjada como prémio de jogo.

Hoje o futebol é uma máquina poderosa e infernal que movimenta milhões e que não se compadece com nem recorre a sentimentalismos piegas. O treinador não tem que andar de braço dado com os jogadores. Estes são profissionais bem pagos, às vezes a peso de oiro, e a única coisa que se lhes pede é profissionalismo. Não há lugar a cumplicidade de larachas nem copos, não há choradinhos mas sim e apenas aplicação total de profissionais a quem se exige o cumprimento de uma missão. Só isso.

Depois, são os resultados que falam e aprovam ou reprovam os métodos. Virtualmente, pode haver cambiantes mas, na prática, processos bons são os que levam à vitória. E amanhã, os mesmos processos poderão ser banidos se não produzirem os mesmos efeitos, se não conduzirem ao triunfo e à glória.

Por isso, não há fórmula única, e o Espinho não é o F.C. Porto. Quinito terá razão em ser jovial enquanto ganhar, tal como Artur Jorge poderá ser (se o é) distante enquanto conquistar títulos. Os vencedores têm sempre razão…


Nota - Seis meses depois, Quinito assinava pelo F.C. Porto

1987

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