segunda-feira, 19 de setembro de 2011

NOVENTA E TAL CONTOS, 69

Frank Sintinas

António Cagica Rapaz

Foi o Manel António que me chamou a atenção para o homenzinho discreto, de boné, que guardava as sentinas. De facto, o homem era parecido com o Frank Sinatra, sobretudo de perfil. E desta forma nasceu a figura do Frank Sintinas, assim mesmo, pronunciado à nossa moda, à pexita.

As alcunhas, tão ao gosto da nossa gente, são muitas vezes mordazes, maldosas, cáusticas e raramente exprimem ternura. Neste caso, Frank Sintinas é fruto de inspiração benigna, imagem poética, só entre nós, como para arrancar o homem à banalidade cinzenta de uma existência obscura, através de uma comparação resplendente. Esta alcunha, aliás, nunca chegou a ser divulgada, era apenas uma simpática brincadeira, um sinal de liques, jogo de cumplicidade, sem ponta de maldade. Pelo contrário, o modelo era admirável, Sinatra, o som inesquecível da bossa nova no crepúsculo, naquela hora mágica em que o sol se põe por trás dos mastros altos dos veleiros ancorados na doca, de onde começavam a chegar os veraneantes, lobos do mar raso, vestidos de branco, bronzeados, em busca da noite...

As sentinas são os magníficos azulejos de Sesimbra, testemunhos de um passado que idealizamos, vestígios de um tempo que o ciclone levou e que alguns tentam desenterrar, esgravatando na areia da memória como os pescadores faziam, procurando moedas, fios e medalhas, mal acabava o vendaval.

As sentinas, como o jardim, eram o refúgio de pescadores idosos, remando contra a solidão, tertúlia de nostalgia, loja de companha de velhos de terra. O nosso Frank era o guardião do templo e do tempo, do bom tempo de pescarias fabulosas, do mau tempo de vendavais intermináveis, do tempo que a todos foge em cada maré vazia. O Frank Sintinas, sem saber, era conservador do museu, moderador de debates perpassados de melancolia, o passado eternizado nos azulejos. Frank Sintinas é a ironia inocente que nos leva a contemplar com um sorriso, sem pretensões moralistas, sem dogmas nem ilusões, velhos de terra que nós já somos também...

1992

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